O que muda na economia com o rebaixamento da nota do Brasil


O risco de o governo brasileiro não pagar corretamente suas dívidas aumentou, segundo avaliação da agência de classificação Standard & Poor's. Em relatório divulgado na noite de quinta-feira (11), a agência americana rebaixou a nota de crédito do Brasil de "B" para "BB-". 

Com o novo rebaixamento, o terceiro em pouco mais de dois anos, o governo brasileiro fica ainda mais longe do “grau de investimento” - selo dado aos países e empresas com baixo risco -, que o Brasil perdeu em setembro de 2015. A nota BB- mantém o país na categoria "grau especulativo", grupo intermediário de classificação em que a Standard & Poor’s recomenda cuidado. Mais três degraus para baixo da atual nota e o Brasil entra no grupo com alto risco de inadimplência, onde estão os devedores que as agências recomendam evitar. Agências de classificação de risco 

O QUE SÃO 

As agências de classificação de risco se especializam na análise de crédito de empresas e países. Seu principal produto são as notas que atribuem a cada emissor de dívida. Elas vendem a emissores de dívida o serviço de avaliação, necessário para que eles consigam captar dinheiro no mercado. 

O QUE ELAS OBSERVAM 

As agências medem a capacidade de um credor pagar o que pega emprestado no mercado, e suas avaliações são determinantes para a definição do nível de risco percebido pelo mercado e dos juros demandados para comprar papéis de dívida dos países. 

O QUE É IMPORTANTE PARA GOVERNOS 

No caso do governo brasileiro, as agências olham com atenção para as contas públicas e os fatores que podem afetar o desempenho delas - inclusive o político. Quanto melhor for a nota de crédito do Brasil, menos o governo pagará de juros. 

Primeiro rebaixamento de Temer 

O Brasil teve "grau de investimento" entre 2008 e setembro de 2015 quando, em meio à crise econômica e política, a própria Standard & Poor's rebaixou o país de volta ao grau especulativo. O agravamento da situação fiscal levou a três pioras consecutivas de nota durante o breve segundo mandato de Dilma Rousseff.

Desde o impeachment, iniciado em maio de 2016, porém, é a primeira vez que uma agência de classificação de risco diminui a nota do Brasil. A mudança de governo de Dilma Rousseff para Michel Temer foi bem vista, e até apoiada, pelos investidores. Por causa disso, a atual administração ganhou um voto de confiança das agências depois de prometer fazer reformas pró-mercado. 

O governo federal conseguiu aprovar o teto de gastos públicos e a reforma trabalhista, mas tem dificuldade em passar pelo Congressoas mudanças nas regras da Previdência - o principal projeto de Temer. A proposta atual de reforma é bem menos ampla que a original, apresentada no final de 2016. Mesmo fazendo concessões, o governo não conseguiu votá-la em 2017 e tenta uma última cartada em fevereiro, antes de os políticos se voltarem totalmente para a eleição de outubro. 

A baixa possibilidade de aprovação da reforma da Previdência, que endureceria as regras de aposentadoria e daria um alívio para as contas públicas, foi o principal motivo para o rebaixamento.

Possibilidade de impacto na economia real Desde 2014, o governo brasileiro atravessa uma grave crise fiscal. Com a queda da arrecadação no período de recessão e os gastos aumentando ano após ano, as metas de resultado primário passaram de superavit para deficit. Isso significa que, em vez de fazer economia para pagar os juros da dívida, o objetivo do governo tem sido não ter um prejuízo maior que o estipulado. E mesmo assim a meta fiscal já foi alterada algumas vezes. 

O governo de Michel Temer assumiu defendendo reformas que diminuam os problemas fiscais. A ideia, desde o princípio, é se vender como um governo confiável para os agentes econômicos. A pequena recuperação da economia em 2017, inclusive, tem como um dos pilares a retomada da confiança de investidores na economia brasileira. 

A aposta da equipe econômica é que, com uma agenda de reformas pró-mercado, os donos do dinheiro se animarão cada vez mais a investir no Brasil. Essa confiança seria o motor que reaqueceria a economia. Mas as reformas estão atrasadas e o corte da nota é um sinal de que a confiança na capacidade do governo de cumprir o que prometeu está menor. 

Diante disso, o Nexo perguntou a dois economistas se os rebaixamentos da nota de crédito têm capacidade de atrapalhar a recuperação da economia. 

- Esther Dweck, professora do Instituto de Economia da UFRJ 
- José Márcio Camargo, professor do Departamento de Economia da PUC-Rio 

Que impacto esse rebaixamento pode ter diretamente sobre a recuperação econômica em 2018? 

ESTHER DWECK Primeiro o discurso era de que precisava tirar a Dilma e aí ia retomar a economia. Depois, bastava aprovar a PEC do Teto. Depois, bastava a reforma trabalhista. Agora o imprescindível da vez é a Previdência. Existe uma agenda sendo imposta como imprescindível e meu ponto é que isso não é verdadeiro. 

O rebaixamento veio pelo mesmo motivo que a gente está sendo rebaixado há alguns anos: é mais um problema de crescimento econômico, que complica a situação fiscal, do que um problema de não aprovação de medidas. A gente teve grau de investimento sem nenhuma medida dessa, mas com a economia crescendo e gerando receita suficiente, situação fiscal equilibrada. 

Na atual situação, nem se a economia crescer, na melhor das hipóteses, 3% em 2018, resolve a situação. O rebaixamento, dentro do discurso do governo, funciona como uma pressão sobre o Congresso. 

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO O rebaixamento em si tem pouco impacto sobre a atividade, mas é um sinal importante de que é preciso fazer o dever de casa. A minha avaliação é que se a reforma da Previdência não for aprovada, vai haver um efeito sobre os mercados financeiros, com aumento de juros e alguma percepção de deterioração fiscal nos próximos meses. 

Isso pode fazer com que o crescimento seja menor do que o esperado. Porque sem a reforma, muito provavelmente virão outros rebaixamentos de outras agências. Acumulando notícias negativas, isso acaba afetando o comportamento do mercado. O governo fez reformas importantes, mas essa também precisa ser aprovada. 

Há alguma perspectiva de o Brasil reverter essa sequência de quedas, voltar a ter a nota melhorada? 

ESTHER DWECK A perspectiva de retomada do crescimento, um crescimento vigoroso, é muito pequena. A expectativa de que recuperando a confiança do mercado vai gerar crescimento não tem muito sentido. O que precisa é ter gente comprando, gente querendo vender, produzir. E sobre isso não tem a menor expectativa. 

Nem sendo ano eleitoral, quando os governos costumam gastar mais, vai ajudar. Mas na situação fiscal que o governo se colocou, com uma meta fiscal apertada, a chance de fazer algo pró-crescimento é muito baixa. Mesmo sendo uma meta de deficit, é difícil de ser atendida. 

E a gente tem que pensar as agências de classificação também. Existe uma parte da análise objetiva, a situação fiscal realmente não é boa, mas elas também têm uma perspectiva de influência na política, de dizer que a solução para isso é a reforma da Previdência, que não resolve o problema fiscal no curto prazo. 

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO O governo Temer tem mais um ano, um ano eleitoral com milhões de problemas, vai ser difícil fazer muito mais coisas. E o que precisa ser feito para mudar essa trajetória não é pouca coisa. 

Há regras constitucionais que fazem com que as despesas obrigatórias aumentem cerca de 6% acima da inflação ao ano, isso sem o governo fazer nada. Então não tem idade mínima para aposentadoria, tem um sistema de Previdência generoso, a política do salário mínimo, tudo isso faz os gastos crescerem. É isso que precisa mudar, e só muda com emenda constitucional. 

Essa PEC (da reforma da Previdência) tem coisas importantes, mas não vai ser suficiente. Uma parte importante está na Previdência - metade, 60%, mas tem também as vinculações orçamentárias. A regra de valorização do salário mínimo é insustentável, aumenta os gastos do governo com assistência. Essa PEC não resolve o problema, mas é importante. O problema está mais no longo prazo, a partir de 2019, do que agora em 2018.



Fonte: Nexo
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